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Nos 40 anos da ‘axé music’, eis 40 músicas que atestam a grandeza do cancioneiro do gênero afro-pop-baiano

♫ ANÁLISE E MEMÓRIA ♪ Gênero que irrompeu em Salvador (BA) em 1985, tendo como marco zero o estouro nacional de Fricote, música de Luiz Caldas e Paulinh...

Nos 40 anos da ‘axé music’, eis 40 músicas que atestam a grandeza do cancioneiro do gênero afro-pop-baiano
Nos 40 anos da ‘axé music’, eis 40 músicas que atestam a grandeza do cancioneiro do gênero afro-pop-baiano (Foto: Reprodução)

♫ ANÁLISE E MEMÓRIA ♪ Gênero que irrompeu em Salvador (BA) em 1985, tendo como marco zero o estouro nacional de Fricote, música de Luiz Caldas e Paulinho Camafeu que projetou Caldas em todo o Brasil, a música afro-pop-baiana rotulada como axé music sempre foi vista com desdém pelas elites culturais de maioria branca por ser música de espírito folião, calcada no ritmo, nas levadas loucas que arrastam multidões atrás dos trios elétricos. Até o rótulo involuntário que pegou – axé music, cunhado pelo jornalista Hagamenon Brito em 1987 – embutia certo ar de deboche com o gênero de alma carnavalesca. A rigor, essa música pra pular baiana não surgiu do nada em 1985. Já havia uma cena local em Salvador (BA) que vinha sendo fomentada e, de certo modo, pode-se dizer que a alma da axé music já existia desde o primeiro trio elétrico de Dodô & Osmar e também nas músicas de Moraes Moreira (1947 – 2020). Moraes foi grande compositor que se tornaria voz dissonante na era em que o gênero dominou as rádios e o mercado musical da Bahia (com fortes reverberações em todo o Brasil, sobretudo a partir da explosão de Daniela Mercury em 1992), mas que, na verdade, foi legítimo precursor dessa música de tom festivo, tropicaliente por também deglutir ritmos de países vizinhos da América Latina em caldeirão fervente que tem o samba-reggae como matriz. De todo modo, o axé historicamente nasceu em 1985 e, por isso, no ano em que o gênero completa 40 anos, já soterrado em Salvador (BA) pelo império do pagodão baiano, o Blog do Mauro Ferreira lista 40 músicas que atestam a grandeza do cancioneiro do gênero. São músicas, em grande parte, de autoria de compositores negros da Bahia (Beto Jamaica, Gerônimo Santana, Guiguio, Lazzo Matumbi, Luciano Gomes, Pierre Onassis e Rey Zulu, entre outros), quase nunca valorizados na medida da importância que tiveram ou ainda têm na música brasileira. A lista das 40 mais do axé é dominada por composições lançadas entre os anos 1980 e 1990, décadas do apogeu do gênero, mas vai até 2021, ano em que Marcia Castro lançou o álbum Axé, idealizado para reanimar um gênero que simboliza o canto do povo de um lugar cheio de magia chamado Bahia. Ilustração da capa do songbook ‘Axé music – O som da Bahia’, de Luciano Alves Reprodução parcial da capa do songbook ‘Axé music – O som da Bahia’, de Luciano Alves ♪ Eis, em ordem cronológica, 40 composições importantes na história do gênero rotulado como axé music: ♬ Fricote (Luiz Caldas e Paulinho Camafaeu, 1985) ♫ A letra é inaceitável pelo conteúdo racista e assusta que tenha sido cantada em todo o Brasil, em 1985, sem reflexão sobre os versos. Nem o próprio Luiz Caldas canta mais Fricote em shows. Hoje, a importância da música reside somente no fato de ter detonado a explosão de um gênero e de uma cena efervescente em Salvador (BA). ♬ É D'Oxum (Gerônimo Santana e Vevé Calazans, 1985) ♫ Lançada pelo grupo MPB4 na trilha da minissérie Tenda dos milagres (1985) sem repercussão e regravada por Gerônimo no álbum Mensageiro da alegria (1986), a música se tornou merecidamente um standard a partir dos anos 1990, já tendo merecido registros de cantoras do porte de Gal Costa (1945 – 2022), Elba Ramalho, Margareth Menezes, Daniela Mercury e Rita Benneditto. ♬ Eu sou negão (Macuxi muita onda) (Gerônimo Santana, 1987) ♫ Além de ter dado projeção a Gerônimo como compositor e intérprete, a música Eu sou negão expôs o orgulho negro de uma Bahia bela e preta, musicalmente miscigenada com ritmos caribenhos e africanos. ♬ Madagascar Olodum (Rey Zulu, 1987) ♫ Samba-reggae do primeiro álbum do Olodum, grupo originário do bloco afro fundado em 1979. O Olodum é manancial de grandes músicas do axé. Madagascar Olodum ganhou o Brasil na versão eletrificada gravada pela Banda Reflexu’s ainda em 1987, na voz de Marinês. ♬ Salvador não inerte (Beto Jamaica e Bobôco, 1987) ♫ Outro samba-reggae do primeiro álbum do Olodum, Egito Madagascar (1987). Um dos autores é Beto Jamaica, grande compositor da música baiana. Foi regravado por Gal Costa no álbum Plural (1990). ♬ Ladeira do Pelô (Betão, 1987) ♫ Apresentado em medley com Salvador não inerte no primeiro álbum do Olodum, o samba-reggae Ladeira do Pelô também aparece no álbum Força interior (1987), da Banda Mel. ♬ Faraó (Divindade do Egito) (Luciano Gomes, 1987) ♫ Samba-reggae apresentado no primeiro álbum do Olodum e amplificado na voz de Margareth Menezes em gravação feita com Djalma Oliveira e lançada no mesmo ano de 1987. O refrão de Faraó incendeia os shows de Margareth. ♬ A roda (Sarajane, Robson de Jesus e Alfredo Moura, 1987) ♫ Com versos de malicioso duplo sentido, A roda abriu caminhos para Sarajane, cantora que se tornou a primeira voz feminina da axé music a ganhar projeção nacional. É o hit do álbum História do Brasil (1987). ♬ Uma história de Ifá (Elegibô) (Ythamar Tropicália e Rey Zulu, 1987) ♫ O samba-reggae foi lançado pelo grupo Ara Ketu em 1987, mas todo mundo conhece Elegibô – subtítulo pelo qual a música Uma história de Ifá ficou conhecida – na voz calorosa de Margareth Menezes por conta da gravação do primeiro álbum da cantora, lançado em 1988. ♬ Alegria da cidade (Lazzo Matumbi e Jorge Portugal, 1988) ♫ Esse reggae foi lançado por Margareth Menezes no primeiro álbum da cantora, de 1988. O autor da música é Lazzo Matumbi. Os versos são de Jorge Portugal (1956 – 2020), um dos grandes letristas do universo musical afro-baiano. ♬ Me abraça e me beija (Lazzo Matumbi e Gileno Félix, 1988) ♫ Reggae lançado pelo autor Lazzo Matumbi no álbum Atrás do pôr-do-sol (1988), Me abraça e me beija ficou associado ao canto potente de Margareth Menezes, que gravou a música em versão bilíngue no álbum Kindala (1991). ♬ Brilho de beleza (Nego Tenga, 1988) ♫ Obra-prima de Nego Tenga, compositor associado ao Muzenza, bloco afro que teve participação ativa na criação do samba-reggae no início dos anos 1980. Brilho de beleza aparece no álbum Muzenza do Reggae (1998), mas a gravação que popularizou o samba-reggae além das fronteiras da Bahia foi feita por Gal Costa no álbum Plural (1990). ♬ Protesto do Olodum (E lá vou eu) (Tatau, 1988) ♫ Grande sucesso do segundo álbum do Olodum, Núbia Axum Etiópia (1988), Protesto do Olodum (E lá vou eu) ganhou gravação da Banda Mel no mesmo ano de 1998, reforçando tendência de as bandas reapresentarem sucessos dos blocos afros com pegada mais pop. ♬ Negrume da noite (Paulinho do Reco e Cuiuba, 1989) ♫ Trata-se de um dos mais belos e poéticos sambas-reggae. A gravação original foi feita pelo grupo Ilê Aiyê no álbum Canto negro, de 1989. Mas Negrume da noite ganhou popularidade a partir do registro feito por Margareth Menezes no álbum Kindala (1991). ♬ Prefixo de verão (Beto Silva, 1990) ♫ Música que deu nome ao álbum lançado pela Banda Mel em 1990. Traz no título a estação mais quente para compositores e cantores de axé music. ♬ Baianidade nagô (Evandro Rodrigues, 1991) ♫ Música que abre o melhor álbum da Banda Mel, Negra (1991), Baianidade nagô traduz na letra a magia que envolve Salvador (BA) no verão, com Carnaval e agito que tem como trilha sonora a música afro-pop-baiana. A melodia é das mais bonitas do axé. ♬ Crença e fé (Beto Jamaica e Ademário, 1991) ♫ Outra joia do álbum Negra, da banda Mel. O samba-reggae Crença e fé ganhou o Brasil ao ser incluído por Daniela Mercury no roteiro do show O canto da cidade (1992). ♬ Swing da cor (Luciano Gomes, 1991) ♫ O samba-reggae foi lançado por Daniela Mercury no primeiro álbum solo da cantora, editado em 1991. A calorosa gravação estourou e preparou o clima para a explosão nacional da cantora em 1992. ♬ Vem meu amor (Jaguaraí Rodrigues, o Guio, e Silvio Almeida, 1992) ♫ A gravação original foi lançada pelo Olodum em 1992, mas o registro mais conhecido é o da Banda Eva, feito em disco ao vivo editado em 1997, ainda com Ivete Sangalo como vocalista. ♬ Rosa (Pierre Onassis, 1992) ♫ Sucesso de uma fase em que o grupo Olodum passou a gravar repertório mais romântico, com apelo pop, Rosa é um dos muitos exemplos do talento do compositor Pierre Onassis. Rosa foi regravada por Daniela Mercury no álbum Música de rua (1994). ♬ Nossa gente (Avisa lá) (Roque Carvalho, 1992) ♫ Música gravada pelo Olodum no mesmo álbum de Rosa, Nossa gente (Avisa lá) ganhou gravação de Caetano Veloso e Gilberto Gil no álbum Tropicália 2 (1993). ♬ O mais belo dos belos (Guiguio, Valter Farias e Adailton Poesia, 1992) ♫ Parece somente uma música na gravação feita por Daniela Mercury para o álbum O canto da cidade (1992), mas O mais belo dos belos é medley que agrega habilmente dois sambas-reggaes em tributo ao bloco afro Ilê Aiyê, A verdade do Ilê (Guiguio) e O charme da liberdade (Valter Farias e Adailton Poesia). ♬ O canto da cidade (Tote Gira e Daniela Mercury, 1992) ♫ A música-título do segundo álbum de Daniela Mercury é de Tote Gira. Daniela entrou na parceria por ter reescrito parte dos versos da segunda estrofe e da ponte – suprimindo palavras como “Pelô”, “Salvador” e “tambor” – para deixar a música com tom mais universal. ♬ Porto Seguro (Durval Lelys, 1992) ♫ Vocalista e compositor da banda Asa de Águia, Durval Lelys é o autor de Porto Seguro, música envolvente lançada pela banda no álbum Se ligue (1992). ♬ Beija-flor (Xexéu e Zé Raimundo, 1993) ♫ Sucesso da Timbalada, banda criada por Carlinhos Browm com som calcado no toque do timbau. ♬ Capricho dos deuses (Jau e Jorge Zarath, 1993) ♫ Um dos primeiros sucessos da carreira solo de Netinho, cantor revelado como vocalista da Banda Beijo. ♬ Adeus bye bye (Guiguio, Chico Santana e Juci Pita, 1993) ♫ Samba-reggae que revelou Ivete Sangalo, então vocalista da Banda Eva. É o maior sucesso do primeiro álbum da banda. ♬ Por amor ao Ilê (Guiguio, 1994) ♫ Essa declaração de amor ao bloco Ilê Aiyê foi a música que mais sobressaiu no repertório do terceiro álbum de Daniela Mercury, Música de rua, de 1994. Por amor ao Ilê é exemplo do talento do compositor Agnaldo Pereira da Silva, ligado ao Ilê e conhecido pelo nome artístico de Guiguio. ♬ Milla (Manno Góes e Tuca Fernandes, 1995) ♫ Embora lançada em 1995 pela banda Jheremmias Não Bate Corner, Milla ganhou o Brasil na voz de Netinho em disco ao vivo de 1996. A banda Jammil e as cantoras Preta Gil e Daniela Mercury também gravaram Milla. ♬ Beleza rara (Ed Grandão e Nego John, 1996) ♫ Samba-reggae que deu nome a um dos mais bem-sucedidos álbuns de estúdio da Banda Eva na fase em que Ivete Sangalo era a vocalista da banda de axé. ♬ Levada louca (Alain Tavares, Gilson Babilônia e Lula Carvalho, 1996) ♫ Outro grande sucesso da Banda Eva na fase em que Ivete Sangalo era a vocalista do grupo. Apareceu no álbum Beleza rara (1996). ♬ Arerê (Alain Tavares e Gilson Babilônia, 1997) ♫ Hit do primeiro álbum ao vivo da Banda Eva, um dos discos mais vendidos da história da axé musica e da própria música brasileira. ♬ Ilê Pérola Negra (O canto do negro) (Guiguio, Miltão e René Veneno, 2000) ♫ Iluminado pelo álbum O sol da liberdade (2000), de Daniela Mercury, Ilê Pérola negra é joia de mais alto quilate do samba-reggae. A gravação mais bela é a do álbum Eletrodoméstico – MTV ao vivo, lançado em 2003. ♬ Dandalunda (Margareth Menezes, 2001) ♫ Música de Carlinhos Brown que revitalizou a discografia de Margareth Menezes ao ser lançada pela cantora no álbum Afropopbrasileiro em 2001. ♬ Festa (Anderson Cunha, 2001) ♫ Primeiro explosivo sucesso da carreira solo de Ivete Sangalo, Festa deu nome ao terceiro álbum solo da cantora. ♬ Sorte grande (Lourenço, 2003) ♫ Conhecido como “Poeira” ou “Levantou poeira” por conta do aliciante refrão, o samba-reggae alicerçou a carreira solo de Ivete Sangalo e as vendas do álbum Clube Carnavalesco Inocentes em Progresso, lançado em 2003. ♬ Maimbê Dandá (Carlinhos Brown e Mateus Aleluia, 2004) ♫ Parceria do elétrico Carlinhos Brown com Mateus Aleluia, baobá do grupo Tincoãs, Maimbê Dandá surgiu na voz de Daniela Mercury no álbum Carnaval eletrônico (2004) e, mesmo com a cantora sem nenhum apoio dentro da gravadora BMG, se tornou hit em todo o Brasil. ♬ Arco-íris do amor (Fábio Alcântara, Lucas Santtana e Magary Lord, 2019) ♫ Com refrão incendiário, a música gravada por Marcia Castro com Margareth Menezes evoca a era de ouro da axé music, mas com temática atual, hasteando a bandeira das liberdades afetivas e sexuais. ♬O mundo vai ((Ivete Sangalo, Gigi, Ramon Cruz, Samir Trindade, Radamés Venâncio e Tierry Coringa, 2020) ♫ Último grande sucesso da axé music, O mundo vai foi lançado por Ivete Sangalo no homônimo EP de janeiro de 2020, a tempo de se tornar o hit do Carnaval daquele ano. A letra está conectada com os tempos atuais das redes sociais. A levada louca e acelerada é simplesmente irresistível. ♬ Que povo é esse? (Tenison Del Rey, Marcela Bellas e Paulo Vascon, 2021) ♫ Samba-reggae que parece seguir o passo agalopado do frevo, Que povo é esse? é prova de que a axé music é gênero que permanece vivo, mesmo longe do apogeu comercial. Foi lançado por Marcia Castro em Axé (2021), álbum idealizado para revitalizar o gênero, e regravado pela cantora no recente disco Roda de samba reggae ao vivo (2024).